Suzy Monteiro
Fotos: Genilson Pessanha e Welliton Rangel
“Nunca vi o rio assim”. Seja na água, através de pescadores, seja na
terra, com produtores rurais, em São Fidélis, um dos municípios mais
atingidos pela seca que atinge a Região Sudeste do Brasil há 10 meses,
essa é afirmação unânime. A Defesa Civil municipal prepara um documento
que será encaminhado ao prefeito Luiz Fenemê até terça-feira para que
seja decretada emergência. Enquanto isso, continua a ameaça de
transposição do rio Paraíba do Sul, proposta pelo Estado de São Paulo. O
Sistema Cantareira, de acordo com o secretário estadual de Recursos
Hídricos, Mauro Arce, com o atual volume de água do local só abastece a
população até novembro. Porém, também vem de São Paulo a esperança.
Segundo informou sexta-feira o secretário de Defesa Civil Henrique
Oliveira, existe previsão de chuvas no estado vizinho para os próximos
dias. O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) informou que, em conjunto
com a secretaria de Estado de Ambiente (SEA), vem acompanhando e
monitorando todas as consequências da estiagem.
O pescador Floriano Duarte Velasco, na atividade há 16 anos, depende
exclusivamente para sustentar a família de duas filhas e uma neta. Ele
conta que, semana passada, para conseguir retornar com o barco, precisou
pedir ajuda a companheiros de pesca para quebrar algumas pedras e o
barco se movimentar. Relata, também, que o mês de setembro é de grande
quantidade de peixes, mas de tamanho menor. Agora, com a seca, há peixes
maiores, mas em pouca quantidade.
— Tem muita alga também, os peixes menores não conseguiram fazer a
piracema. Temos seguido até outros municípios para pescar, mas a
quantidade é muito pequena. Se continuar assim, não sei o que será —
lamenta.
Presidente da Colônia de Pescadores de São Fidélis, Sirley de Souza
Ornelas corrobora as afirmações do pescador: “Nunca vi o rio assim.
Setembro e outubro são meses em que a pesca está liberada e com maior
quantidade. Dia 1º de Novembro começa o defeso, mas, diante desta
situação, deveria ter iniciado um defeso emergencial”, opina, destacando
que, normalmente, a média a cada pescaria é 15 a 20 Kg. Atualmente é de
3kg.
A Colônia de Pescadores de São Fidélis atua, também, sobre os
municípios de Cambuci, Santo Antônio de Pádua, Aperibé, Miracema,
Itaocara, Cantagalo e São José de Ubá. Sirley Ornelas diz que o problema
é o mesmo em todos. Disse também que a pouca água pode prejudicar a
desova dos peixes: “A seca do ano passado fez com que muitos peixes não
desovassem. Pescamos muitos com as ovas ressacadas. Por causa da seca
deste ano, os peixes ‘filhotes’ não estão conseguindo subir o rio”,
contou, preocupado.
No campo, desânimo e alerta de calamidade
Mas, se às margens do Paraíba a seca já está provocando prejuízos, na
zona rural de São Fidélis o que mantém viva a esperança é a
possibilidade de chuvas para breve: “Já apagamos vários incêndios por
aqui. Além disso, meu tio já perdeu cabeças de gado. Sou nascido e
criado aqui e nunca vi uma situação como essa. Mas uma hora vai chover.
Espero que seja logo”, diz o produtor Carlos Vilaça, de 63 anos,
residente na localidade de Palmital.
Próximo à propriedade de Vilaça, Ricardo Muri Villemen acompanhava o
trabalho do trator que abria um açude para tentar encontrar água e
conseguir molhar sua horta: “Tiro o sustento daqui. O que produzo vendo
na cidade e já não há mais água para a plantação. O jeito foi apelar
para o trator”.
Já Renato Seixas Alves, de 73 anos, tem cortado folhas de bananeira
para alimentar o gado: “Os cachos de banana não estão conseguindo
amadurecer direito. Então, estou usando as folhas para alimentar o gado.
Tem que cuidar todos os dias, porque, se não, morre mesmo”, ensina.
Secretário de Agricultura de São Fidélis, Gilberto França Hentzy diz
que a prefeitura tem enviado caminhões para “puxar” cana em Cardoso
Moreira e Campos e alimentar o gado de produtores do município: “É muito
pedido. Não estamos dando conta”.
Inea acompanha com muita preocupação
O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) informou que, em conjunto com
a secretaria de Estado de Ambiente (SEA), vem acompanhando e
monitorando todas as consequências da estiagem que assola a bacia do rio
Paraíba do Sul – a maior já registrada dos últimos 84 anos – além de
avaliar necessidade de intervenções para diminuir os riscos de
abastecimento para os usuários Fluminenses: “O rio está com vazões mais
baixas, inclusive no trecho que cruza o município de São Fidélis.
Entretanto, não há risco de desabastecimento do município, provocado
pelos baixos níveis do rio Paraíba do Sul”.
Em Campos, na última sexta-feira, o rio Paraíba do Sul atingiu sua
menor cota da história: 4,55 metros, segundo informou o secretário de
Defesa Civil Henrique Oliveira. A cota normal para esta época do ano é
5,30 metros, explicou.
Já o secretário de Agricultura do município, Eduardo Crespo, informou
que a Prefeitura está auxiliando através do programa Patrulha Rural,
que leva suas máquinas a várias partes do município para dar apoio à
alimentação animal: “Estamos realizando serviços emergenciais, como
tritura e transporte de cana para alimentação do gado, além de limpeza
de bebedouros. Já atendemos a produtores das localidades de Cambaíba,
Pitangueira, São Bento, Baixa Grande, Lagoa de Cima e aos Assentamentos
Zumbi 2 e 3”, disse o secretário de Agricultura, Eduardo Crespo.
Transposição proposta é risco
Ameaçado pela seca que atinge todo Sudeste do Brasil, o rio Paraíba
do Sul, que nasce na Serra da Bocaina, território paulista, está
enfrentando outros perigos: um deles é a transposição proposta pelo
governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, no início do ano e rechaçada
pelo governador Luiz Fernando Pezão. O Sistema Cantareira, em São Paulo,
atingiu nível histórico sexta-feira: 7,2%, o mais baixo desde que a
Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp)
incorporou o volume morto. Outro risco é a construção da hidrelétrica de
Itaocara, cuja licitação está prevista para novembro próximo. O
ambientalista Aristides Soffiati é contra qualquer intervenção no
Paraíba: “Ao contrário, precisamos recuperá-lo”.
Além do Cantareira, o sistema Alto Tietê também registrou queda de
0,2% e chegou aos 11,9% de capacidade. A represa do Guarapiranga
recuperou 0,5% devido às chuvas, e agora opera com 52,6%. O Sistema Alto
de Cotia caiu para 35%. Semana passada, o secretário de Estado de
Recursos Hídricos, Mauro Arce, afirmou que a primeira cota do volume
morto da Cantareira deve terminar em 57 dias, caso o nível siga recuando
no ritmo atual.
— A capacidade de abastecimento da atual cota da reserva técnica vai até 21 de novembro com o volume que eu tenho — afirmou.
No último mês de agosto, a Agência Nacional de Águas editou a
Resolução ANA 1.309, que é resultado de um acordo costurado entre a
União e os três estados do Sudeste afetados pelo problema de falta de
água (SP, MG e RJ). O documento autorizou a redução temporária da vazão
mínima afluente à barragem de Santa Cecília, no rio Paraíba do Sul, de
165m3 para 160m3. De acordo com informação da assessoria da ANA, até o
momento, continua valendo o prazo da Resolução — 30 de setembro.
Contra a Resolução, o Ministério Público Federal (MPF) em Campos move
nova ação civil pública. A Procuradoria da República pede, também, a
decretação de estado de calamidade pública na região banhada pelo rio
Paraíba do Sul pelos próximos dois anos.
Ambientalista rechaça mais intervenções
O ambientalista Aristides Soffiati diz que nenhuma intervenção —
transposição ou hidrelétrica — deve ser feita no Paraíba do Sul: “Temos
dois problemas: um é a fragmentação do Paraíba com a transposição para
abastecer a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Hoje, a vazão
liberada do Paraíba é de 160 m3, sendo que somente 54m3 continuam para a
região. O restante vai para a cidade do Rio de Janeiro. Entre Barra do
Piraí e Três Rios é o trecho mais crítico do Paraíba, onde há apenas um
filete de água. O outro Paraíba é o que nasce no Paraibuna e vai até
Atafona”. Outro problema, explica Soffiati, é que a Região Sudeste
enfrenta a pior seca da história. E, por precaução, nenhuma barragem
pode mais ser construída: “Tem que se exigir o cumprimento do Plano de
Recuperação da Bacia, que estabelece ações como reflorestamento,
despoluição, economia de água. Temos que cuidar da bacia do Paraíba como
um todo”, destacou.
Hidrelétrica é outra ameaça ao seu curso
A retomada do projeto da hidrelétrica de Itaocara foi anunciada este
mês. A licitação para a construção da nova hidrelétrica foi anunciada
pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para 28 de novembro e vai
desviar água do Paraíba para Minas Gerais e voltar em outro ponto, com
vazão menor. As unidades, incluindo a hidrelétrica Itaocara I, já haviam
sido licitadas entre 2000 e 2002, mas não saíram do papel. A informação
foi dada pelo presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, que anunciou o
leilão A-5, que, além de Itaocara I, inclui outras duas barragens no rio
Piriqui, no Paraná. A barragem prevista para Itaocara, no trecho
médio-baixo do rio Paraíba do Sul, envolveria cinco municípios:
Cantagalo, Santo Antônio de Pádua, Itaocara e Aperibé, no Estado do Rio,
e Pirapetinga, em Minas Gerais.
Diretor do Comitê do Baixo Paraíba, João Siqueira disse que a questão
começará a ser discutida durante reunião marcada para o próximo dia 9.
Sobre a hidrelétrica, a assessoria da ANA informou que “a UHE
Itaocara I já teve sua Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica
(DRDH) emitida pela Diretoria da ANA, resultando na Resolução 1404/2013.
Até o momento não deu entrada na Agência o pedido de conversão desta
DRDH em outorga”.